sábado, 30 de agosto de 2014
Maurice Blanchot _ "O Espaço Literário"
"(...)
Escrever jamais consiste em aperfeiçoar a linguagem corrente, em torná-la mais pura. Escrever somente começa quando escrever é abordar aquele ponto em que nada se revela, em que, no seio da dissimulação, falar ainda não é mais do que a sombra da fala, linguagem que ainda não é mais do que a sua imagem, linguagem imaginária e linguagem do imaginário, aquela que ninguém fala, murmúrio do incessante e do interminável a que é preciso impor silêncio, se se quiser, enfim, que se faça ouvir.
(...)
Esse ponto, donde as vemos irredutíveis, coloca-nos no infinito, é o ponto onde o infinito coincide com lugar nenhum. Escrever é encontrar esse ponto".
(BLANCHOT, Maurice. O Espaço Literário. SP: Rocco, 1987 _ p.42)
Escrever jamais consiste em aperfeiçoar a linguagem corrente, em torná-la mais pura. Escrever somente começa quando escrever é abordar aquele ponto em que nada se revela, em que, no seio da dissimulação, falar ainda não é mais do que a sombra da fala, linguagem que ainda não é mais do que a sua imagem, linguagem imaginária e linguagem do imaginário, aquela que ninguém fala, murmúrio do incessante e do interminável a que é preciso impor silêncio, se se quiser, enfim, que se faça ouvir.
(...)
Esse ponto, donde as vemos irredutíveis, coloca-nos no infinito, é o ponto onde o infinito coincide com lugar nenhum. Escrever é encontrar esse ponto".
(BLANCHOT, Maurice. O Espaço Literário. SP: Rocco, 1987 _ p.42)
domingo, 17 de agosto de 2014
sexta-feira, 15 de agosto de 2014
sexta-feira, 8 de agosto de 2014
um
dia destes tenho o dia inteiro para morrer,
espero
que me não doa,
um dia
destes em todas as partes do corpo,
onde
por enquanto ninguém sabe de que maneira,
um
dia inteiro para morrer completamente,
quando
a fruta com seus muitos vagares amadura,
o dom
– que é um toque fundo na ferida da inteligência:
oh
será que um poema entre todos pode ser absoluto?
:
escrevê-lo, e ele ser a nossa morte na perfeição de poucas linhas
Herberto Helder. Servidões
Tenho
nas mãos um retrato da morte, anônimo e anônima, neutros: impossível dar-lhe um
rosto, uma forma, uma memória? O retrato
segue contido na mão, segurando-se nela, na parte viva e muscular por onde
escoa o tempo em que balbuciar qualquer canção que se faça rio, seguimento,
sequência, coisas que arfam.
A vida é feita assim de pequenas solidões.
Pense a solidão, súbita, de um retrato, uma fotografia, aquele pasmo de tempo
impresso em papel, pintado, químico, folha de ataraxia, imagem descolada de um
corpo que avança, impreterivelmente, para a própria morte. A fotografia de um
rosto será mais movente e invisível que um rosto no espelho? Testemunha que
outra forma que se decalca de nós? Leva o que acaba de ser instantâneo para o
registro do remoto? Não estamos, estando, estivemos. Tempo. Outra coisa, a
mesma. E alguém se pergunta: O que nos abre ao fascínio da imagem, da imagem
específica de um rosto, um retrato?
Desde
que somos egípcios sentimos falta de um objeto outro, exterior, que nos represente,
que nos informe sobre como seríamos na exterioridade de nós mesmos. Então
moldamos o barro alheio, inventamos um mundo, nomeamos o que sonhamos nosso. Em
nós: o vivo agora infatigável. E dizendo, damos formas ao vivo, encontrando a
meada da semente: como dizer, dar formas àquilo que constitui o vivo? Como
modelar a morte?
No
sarcófago, nos túmulos de mármore em que selamos à pedra o volume de nosso
corpo inerte, símile da própria pedra, talvez algo se afine, um paralelismo se
dê. Mas nunca o impacto do congelamento de nossa imagem foi tão certeiro como
na fotografia. A fotografia não representa,
não imita: a fotografia rouba,
captura, toma. É por isso que usamos a expressão ‘tirar uma foto’, em diversas
línguas. Tiramos de nós uma pele, na fotografia; ela nos rouba um instante que
talvez jamais tenha sido, rasgando nossa imagem, nossa identidade, nossa
percepção do tempo. A fotografia é uma arte elegíaca, talvez a mais densa das
elegias.
Será
por isso que vamos para a morte com ela, com nosso retrato? Qual o élan da
morte que faz durar o retrato? Repare, nos cemitérios, como, às vezes, as
pedras em que constam os nomes vão se fundindo num limo e numa gastura,
rasurando o nome, apagando-o; mas o retrato oval, guardado num suporte de
cerâmica ou envidraçado, não. O retrato quer durar, ou por alguma química
oculta, se faz presente por mais tempo neste lugar, neste território,
enfeitando a ausência coletiva de vida do jardim dos mortos.
NotUrna é uma urna que não se fecha,
uma urna-barca aberta, testemunha da quantidade de sobras, restos e fragmentos
que compõem o encontro entre retrato
e morte, tão involuntários quanto
irrevogáveis. O livro se desmonta em perguntas sobre perguntas: O que nos leva
a guardar registros de nossa futura morte? Ou
seja, por que nos fotografamos com tanta insistência? Como nos
guardamos/colecionamos no nosso futuro que é ausência? Como e em que nos
fazemos durar? Queremos que os outros nos guardem de nossa própria e alheia
extinção? O retrato como testemunha mais fidedigna de ter havido um rosto? Qual
o pacto que tecemos com o tempo (e a morte) através da fotografia? A fotografia
nos garante um passado de existentes, nos devolve à biografia? Quando olho o
meu retrato, que fenda se abre? Serei o que fui? Sou quem? Quem foi em mim? Fui
quem serei? Que pensamento e sentimento são capazes de perdurar no suporte do
retrato? Resgato, pela imagem, o que sentia, na ocasião de sua captura? Qual o
efeito de um rosto na fotografia? Fotografo a mim mesmo ou deixo-me fotografar,
como uma maneira velada (e silenciosa) de participar de minha própria morte? Ou
busco na fotografia uma tentativa desesperada de não lidar com ela?
Esqueço-me,
a fotografia é uma imagem, imagens são
suportes de todo sonho, de qualquer desejo. A imagem não é vínculo inexpugnável
com o retratado, com a biografia histórica em linha reta. A imagem é uma
palavra: mãe, por exemplo; destino, por exemplo; voz, ainda. Tudo cabe na imagem e por
mais fixo que se pretenda um retrato, nada mais amplo e esvaziado, terreno
baldio de qualquer momentânea possessão.
Quando
partimos, quem é que somos? Quem é que podemos ser? Quantas narrativas se somarão
sobrepostas à nossa imagem? Ou ainda, aquela imagem que dizia de nós, diz de quem, agora? Esta reversibilidade da
imagem, de congelamento/reinvenção é o que nos impulsiona, neste trabalho, como
possíveis indagações ao tema trabalhado: o momento em que a imagem de um rosto
deixa de ser um retrato pessoal e
passa a ser um rosto qualquer, uma máscara coletiva, um quem-qualquer, sem verdade e biografia
concentrada, mas, pelo contrário, oferecendo-se como um dispositor de
narrativas variadas, inúmeras, uma fábrica de imagens, um estímulo criador, um
motor de vida. Um ilusionismo, como uma faca, com seus dois lados. Mutila e
Multiplica.
Este
trabalho não poderia ser feito por um, por dois. Resulta de uma gama coletiva
de experimentos, encontros, noites desassossegadoras, em que, ao lado de
amigos, ou com amigos pelo correio, nos sentamos frente ao retrato em toda sua
extensão: dos selfies mais velozes ao
único retrato final, lapidar, escolhido por alguém, quem? qual a linha que une
e separa a fotografia incessante do nosso fetiche pela própria imagem e
autoimagem, do tabu fotográfico que devotamos, mesmo sem perceber, ao retrato
posto no túmulo? Não são, afinal, a mesma
imagem?
Muitos
foram os depoimentos e, sobretudo, o que este Livro contém, não contendo ao
todo, é um mergulho em experiências silenciosas e trocadas, debatidas e
guardadas, sobre a relação entre fotografia,
escrita e morte. Agradecemos a todos que vieram conosco e todos os que
ainda virão, no desdobrar do NotUrna
enquanto livro a ser lido, reinventado. Que esta urna navegue viva por todos os
rostos presentes, todas as formas sensíveis do vivo, compondo o coro noturno e
abissal deste arcaico projeto coletivo que é morrer.
quinta-feira, 7 de agosto de 2014
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